A Democracia da Abolição
Um guia de estudos do livro de Angela Davis “A Democracia da Abolição: para além do império, das prisões e da tortura”
Resumo, parte 4
Outras observações de Davis
Capitalismo Global
Os discursos sobre a globalização nos dá a impressão que o capital só se tornou global recentemente, mas ele tem “um histórico longo e brutal de atravessar as fronteiras nacionais- o imperialismo (...) não é um parceiro menor do capitalismo, e sim uma característica fundamental de seu desenvolvimento.” Davis pontua que, no início do século XX, o capitalismo global existia com as aventuras imperialistas dos Estados Unidos em Cuba, Porto Rico e nas Filipinas, no contexto da Guerra Hispano-Americana.
Atualmente, essa era de capitalismo global é definida pelo poder de organizações financeiras como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, assim como a capacidade do capital de cruzar fronteiras, reestruturar economias, e, no processo, fazer “estragos nas relações sociais em toda parte.”
Davis acredita que deve existir e existe uma alternativa para o capitalismo.
“Temos que ser capazes de desenredar as nossas noções de capitalismo e de democracia, a fim de adotar modelos igualitariamente igualitários e democráticos. O comunismo – ou o socialismo – ainda pode nos ajudar a criar novas versões da democracia.”
Identidade negra e comunidade.
Ao longo do livro, Davis articula sua percepção do pensamento negro político e da comunidade negra. Tradicionalmente, o pensamento negro político se preocupava primariamente com o debate entre nacionalismo, assimilação e integração negra. No entanto, Davis se identifica com o pan-africanismo descrito por DuBois que defende o seguinte:
“(...) os negros do Ocidente tem uma responsabilidade especial com a África, a América Latina e a Ásia – não em virtude de uma ligação biológica ou racial, mas em virtude de uma identificação política que é forjada na luta. Devemos ficar atentos à África não apenas porque esse continente é povoado por negros, não apenas porque nossas origens remontam à África, mas principalmente porque a África tem sido o maior alvo do colonialismo e do imperialismo.”
Davis também argumenta que identidade por si só nunca foi um critério adequado pelo qual comunidades de lutas pudessem ser organizadas. Comunidades são projetos políticos, desse modo, nunca são construídas apenas sobre a identidade.
“Qual seria o propósito de unir a comunidade negra?”, ela pergunta. “Seria inútil hoje em dia tentar criar uma única comunidade negra. Mas faz sentido pensar em organizar as comunidades, não apenas em torno de sua negritude, mas principalmente em torno de objetivos políticos.”
Nessa mesma lógica, Davis declara que ela preferiria uma pessoa branca no poder que esteja comprometida em por um fim à guerra global ao terror do que qualquer líder negro que não esteja disposto a fazer o mesmo.
Oportunidades iguais nas leis
Davis considera que a lei e o sistema jurídico possuem importância estratégica na luta pela democracia da abolição, mas reconhece que ela não é a autoridade absoluta dos problemas sociais porque a lei também tem suas limitações.
Afinal, a lei não pode levar em consideração “as condições sociais que tornam certas comunidades mais suscetíveis ao encarceramento do que outras”. Davis continua:
“A lei não se importa se esse indivíduo teve acesso a uma boa educação ou não, se ele/ela vive sob condições de pobreza por que fábricas em sua comunidade fecharam as portas e se mudaram para um país de Terceiro Mundo, ou se pagamentos da previdência social disponíveis anteriormente chegaram ao fim. A lei não se importa com as condições que levam algumas comunidades a uma trajetória que torna as prisões inevitáveis. Embora cada indivíduo tenha direito à um processo adequado, a chamada cegueira da justiça possibilita que o racismo latente e preconceitos de classe resolvam a questão de quem tem que ser preso ou não.”
A lei opera com o princípio de uma justiça “cega” que se deve, em parte, ao movimento de Direitos Civis. A grande conquista desse movimento foi expurgar a lei de suas referências a tipos específicos de corpos, possibilitando a igualdade racial perante a lei.
Todavia, Davis argumenta que esse processo também permite a desigualdade racial no sentido de que a lei foi privada de sua capacidade de reconhecer que pessoas e comunidades são racializadas.
Multiculturalismo e diversidade..
“O desafio do século XXI não é reivindicar oportunidades iguais para participar da maquinaria de opressão, e sim identificar e desmantelar aquelas estruturas nas quais o racismo continua a ser firmado. Este é o único modo pelo qual a promessa de liberdade pode ser estendida às grandes massas.”
O que ela quer dizer é que o racismo não pode ser resolvido apenas com diversidade e multiculturalismo.
Nós devemos nos livrar das “estruturas presentes no racismo, estruturas econômicas e políticas que não expõe abertamente suas estratégias discriminatórias, mas que servem, todavia, para manter as comunidades de cor num estado de inferioridade e opressão.” Davis pontua que pessoas negras no poder como Condoleezza Rice, Alberto Gonzalez, e Colin Powell são líderes que chegaram onde estão em parte por causa do movimento de Direitos Civis, mas mesmo assim possuem papéis essenciais na manutenção do racismo contemporâneo.
Bibliografia
DAVIS, Angela. A democracia da abolição: para além do império, das prisões e da tortura. Tradução: Arthur Neves Teixeira. 2. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2019.
Nós baseamos esse guia de estudos na versão digital do livro, por isso não listamos as páginas das citações.
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